Em contexto clínico ou escolar, somos, muitas vezes, chamados a avaliar crianças com a indicação de Perturbação dos Sons da Fala, cujo diagnóstico acaba por se revelar mais complexo.
Aparentemente, estas crianças apresentam dificuldades na articulação do som r, do som l ou do som lh, às quais se juntam, por vezes, os sigmatismos (tipicamente denominado de “sopinha de massa” pela sonoridade causada pelas alterações na articulação dos sons s, z, ch, j).
No entanto, para além dessa dificuldade de articulação, várias crianças revelam, em simultâneo, alguns destes outros sinais:
Face longa e estreita;
Presença de olheiras e de narinas estreitas;
Lábios, língua e bochechas com pouca força muscular;
Lábio superior curto e alto;
Lábios entreabertos em repouso (enquanto vêm televisão por exemplo);
Lábios secos e rachados;
Língua grande e volumosa e numa postura baixa na cavidade oral (no chão da boca);
Palato (céu-da-boca) alto e estreito;
Respiração com ruído e sensação frequente de nariz entupido;
Mastigação ruidosa, de boca aberta ou exercida preferencialmente só por um lado;
Comer muito devagar e engolir os alimentos rápido e sem os mastigar devidamente;
Alterações na oclusão dentária;
Alterações posturais;
Sono agitado e/ou ronco noturno;
Presença de baba na almofada;
Dificuldades de atenção/concentração.
A PERTURBAÇÃO DOS SONS DA FALA revelou-se apenas UM dos SINAIS de um diagnóstico bem mais abrangente/complexo: RESPIRAÇÃO ORAL, o que significa que a criança RESPIRA maioritariamente pela BOCA.
Durante a anamnese - i.e., a primeira sessão em que um terapeuta da fala procura recolher dados pertinentes sobre a história e o contexto do utente -, e através de perguntas-chave, as famílias começam a compreender melhor a inter-relação entre as dificuldades articulatórias (e, eventualmente, outras características como as acima descritas) e o modo respiratório (oral/ pela boca). Nessa conversa, é comum surgirem as seguintes questões:
Mas a RESPIRAÇÃO é uma área de INTERVENÇÃO do TERAPEUTA DA FALA?
É possível MODIFICAR o MODO RESPIRATÓRIO com TERAPIA DA FALA e promover melhorias na mastigação, na deglutição, na fala e até na atenção/concentração?
Para MELHORAR A ARTICULAÇÃO DOS SONS, temos igualmente de MELHORAR a tonicidade da LÍNGUA?
A resposta é SIM a todas as perguntas (com a salvaguarda de que, para a segunda questão, além da Terapia da Fala é imprescindível realizar uma avaliação em Otorrinolaringologia, que permita perceber se existe alguma causa orgânica que esteja a favorecer o padrão respiratório apresentado).
RESPIRAR pelo NARIZ é essencial, na medida em que o nariz tem como funções aquecer, humidificar e filtrar o ar, barrando a entrada de corpos estranhos, contrariamente ao que acontece quando a respiração é feita pela boca, em que todas as impurezas entram mais facilmente no organismo, possibilitando o desenvolvimento de infeções das vias aéreas superiores (ouvidos, nariz e garganta).
Respirar pelo nariz promove o bom funcionamento da musculatura orofacial, o desenvolvimento da face e da dentição e é essencial para o bom funcionamento de outras funções do sistema estomatognático como mastigar, engolir e falar. Promove, igualmente, uma melhor qualidade de vida, no sono e nas aprendizagens escolares da criança, pois não nos podemos esquecer que as crianças que não respiram bem, não descansam bem, tendo, por isso, dificuldade em manter a atenção/concentração, o que pode levar a um menor rendimento escolar.
A RESPIRAÇÃO é de facto uma das áreas de INTERVENÇÃO DO TERAPEUTA DA FALA. Quando existem alterações a este nível, o trabalho a realizar é bem mais abrangente do que a intervenção na fala. A respiração pela boca interfere no posicionamento da língua, que, necessitando de ficar rebaixada para facilitar a entrada de ar, acaba por diminuir a sua tonicidade, o que impacta, para além da fala, a mastigação e a deglutição.
Daqui advém a importância de o Terapeuta da Fala promover um bom equilíbrio muscular dos articuladores lábios, língua e bochechas, para além de estabelecer de um padrão de respiração nasal, para conseguir possibilitar, posteriormente, melhorias no padrão articulatório, na mastigação e na deglutição.
Por isso quanto mais PRECOCEMENTE se detectar a RESPIRAÇÃO ORAL, mais RAPIDAMENTE se pode intervir e MELHORES serão os RESULTADOS!
Sendo a respiração imprescindível para o bom desenvolvimento da criança, crianças com alterações a este nível não podem ficar sem intervenção. Essa intervenção deve continuar, devidamente adaptada às circunstâncias da pandemia e do confinamento. Neste vídeo demonstramos como o trabalho respiratório pode realizar-se, com a mesma qualidade e impacto (mas com mais imaginação!), através da terapia online.
Joana Silva, Terapeuta da Fala
Comments